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Foto do escritorCarlos E Costa Almeida

Hérnia ventral em ambiente contaminado. Prótese biológica ou sintética?

Atualizado: 8 de set. de 2020


As hérnias incisionais representam uma fatia significativa (cerca de 80%) das hérnias ventrais tratadas pelos cirurgiões. Este número foi o gatilho para diversos estudos no sentido de determinar factores que possam reduzir a sua incidência. Uma meta-análise realizada em 2000 por Hodgson, mostrou que o encerramento da aponevrose com uma sutura continua com fio não absorvível no momento da primeira laparotomia leva a uma menor incidência de hérnia incisional ventral.

Quanto ao tratamento, este pode ser desafiador, com casos extremos de hérnias praticamente intratáveis em que o conteúdo herniário "perdeu o direito ao domicilio" a surgir ao longo da carreira de todos os cirurgiões. Mesmo nestes casos a realização e manutenção de um pneumoperitoneu pode ajudar a ganhar novamente esse direito.

Quando é possível corrigir a hérnia incisional ventral, a hernioplastia com prótese tem mostrado estar associada a menores taxas de recidiva. Essa correcção tanto pode ser feita laparoscopicamente como laparotomicamente, sendo a vantagem desta ultima a possibilidade de uma melhor aproximação dos músculos rectos, o que traz melhores resultados funcionais.

Duas técnicas são actualmente aceites como as mais eficazes na correcção de hérnias incisionais ventrais. Ambas usam prótese mas diferem no local onde a mesma é colocada:

1. Técnica de reparação retromuscular de Rives-Stoppa-Wanz, descrita por Rives em 1973, em que a prótese é colocada entre a bainha posterior os rectos e o músculo recto, mantendo a prótese atrás do defeito mas sem estar em contacto com as vísceras;

2. Técnica intraperitoneal tipo Rives, em que a prótese é colocada atrás do defeito mas em posição intraperitoneal e em contacto com as vísceras.

A técnica de separação dos componentes, descrita em 1990 pelo cirurgião plástico Ramirez, ganhou popularidade entre os cirurgiões pois permite aumentar a parede abdominal através do movimento das camadas musculares, e encerrar a aponevrose sem tensão e sem necessidade de prótese. No entanto, tem taxa de recidiva e de complicações da ferida perto dos 32%, e segundo alguns autores apenas deve ser usada perante um ambiente contaminado onde a aplicação de próteses pode não ser segura.

O ambiente limpo contaminado/contaminado coloca dificuldades acrescidas aos cirurgiões, pois apesar da correcção com prótese ser mais eficaz, a colocação de material estranho nesse ambiente traz preocupações acrescidas quanto a complicações infecciosas. Desde o aparecimento das biopróteses que o uso de próteses no ambiente contaminado tem aumentado. Porquê? Pela suposta segurança e eficácia das próteses biológicas em cenário limpo contaminado/contaminado.

Será isto verdade? Haverá razão para preferirmos as próteses biológicas em detrimento das sintéticas? Oferecerão as próteses biológicas maior segurança e uma reparação mais fiável?

Segundo os dados do estudo multicêntrico de Majumder et al., Cleveland, EUA, publicados em 2016 na Surgery, parece que não. Estes autores avaliaram os resultados de 126 doentes submetidos a correcção de hernia ventral com prótese, entre 2009 e 2015, em ambiente limpo contaminado/contaminado (57 com prótese sintética vs 69 com prótese biológica). As características de ambos os grupos eram semelhantes, e a maioria dos doentes apresentavam hérnias recidivadas. A técnica de reparação retromuscular foi usada em 98,2% no grupo sintético e 98,6% no grupo biológico (p=1,000). A separação dos componentes foi associada na maioria dos casos de ambos os grupos (p=1,000).

Os resultados foram claros! O grupo com prótese sintética apresentou menos eventos do local cirúrgico (22,8% vs 42%, p=0,024), menos infecção do local cirúrgico (12,3% vs 31,9%, p=0,01), menor taxa de recidiva (8,9% vs 26,3%, p=0,039), e menor tempo de internamento (7,7 vs 10,8, p=0,02). Os autores apresentam o tipo de malha (biológica vs sintética) como um factor preditivo de eventos do local cirúrgico, de infecção do local cirúrgico, e de recidiva herniária, com clara desvantagem para as próteses biológicas.

Majumder et al. referem ainda que as características das próteses têm impacto nestes resultados. Nem todas as prótese sintéticas são ideais. As de polipropileno macroporosas têm as menores taxas de adesão bacteriana quando comparadas com as de politetrafluoroetileno (ePTFE) perante a mesma carga bacteriana, além de uma melhor resistência a complicações infecciosas. As biológicas, por serem laminares e não porosas, apresentam uma integração mais lenta quando em ambiente contaminado, o que justifica estes resultados.

Os autores concluem que, em cirurgias limpas contaminadas e contaminadas, as próteses sintéticas colocadas em posição "sublay" permitem correcções mais duradouras e com menor morbilidade da ferida operatória que as próteses biológicas. Estudos prospectivos futuros poderão confirmar estes resultados e tornar as recomendações mais fortes.

Estes dados revestem-se de extrema importância no momento de escolher a prótese a usar, pois o preço da biológica é cerca de 100 vezes maior que o de uma sintética do mesmo tamanho. Penso que agora não há duvida...

Da leitura deste interessante trabalho (que recomendo fortemente), podemos dizer que a verdade de ontem talvez seja a mentira de hoje.

Link para o artigo no PubMed:

Dr. Carlos Eduardo Costa Almeida

Cirurgião Geral

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