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  • Foto do escritorCarlos E Costa Almeida

Centralização, volume e especialização dos cirurgiões. O caminho será o correcto?

Atualizado: 8 de set. de 2020


Escrevo este post após ter lido dois interessantes artigos cuja leitura aconselho vivamente. O primeiro "Centralization of pancreatectomy a decade later: impact of the volume-outcome relationship", de O'Mahoney et al de Nova Iorque; o segundo "Surgeon specialization and operative mortality in United States: retrospective analysis", de Sahni et al da Universidade de Harvard.

Nos últimos anos muito se tem falado da centralização de patologias em alguns hospitais e em alguns cirurgiões. Surgem melhores resultados, mas com consequências negativas para a população. Isto leva a perguntar se o caminho será o correcto.

Centralização. A razão? Quanto maior o número de vezes um cirurgião repetir um determinado procedimento, com melhores resultados o fará. De facto alguns trabalhos têm mostrado que centros de grande volume apresentam menos morbimortalidade quando de determinadas patologias se trata. No entanto qual o número mínimo necessário? Não podemos esquecer que o que alguns fazem bem ao fim de 20 vezes outros só ao fim de 100. E o primeiro poderá fazer sempre melhor que o segundo mesmo que este repita por mais 1000 vezes. Além disso, o facto de fazer cada vez mais não significa que cada vez fará melhor, pois haverá uma altura em que vai estagnar. As árvores crescem todas até um limite, esse limite é que varia entre elas. Os corredores dos 100 metros por muito que treinem atingem um limite, caso contrário se o Usain Bolt continuasse a treinar correria os 100 metros em 0s... O ponto onde acontece essa estagnação é que varia entre pares. Daí que uns serão sempre melhores que outros independente do treino.

O'Mahoney et al de Nova Iorque (Departments of Surgery and Healthcare Policy and Research from the NewYork-Presbyterian-Weill Cornell Medical College) avaliaram os resultados da centralização da duodenopancreatectomia (DPC) nos últimos 10 anos em três estados dos EUA. Seguiram as recomendações do "Leapfrog Group" para a divisão dos centros em 4 níveis de volume: baixo volume (< 11); médio volume (11-25); alto volume (26-60); muito alto volume (≥ 61). Os resultados revelaram que os centros de baixo volume tinham maior morbimortalidade que os restantes, mas que as diferenças entre os centros de médio, alto, e muito alto volumes não eram significativas (realizar 11 ou mais de 60 DPC's tem resultados idênticos). Outro dado importante foi que os centros de maior volume (áreas metropolitanas) viram o número de doentes tratados aumentar à custa de doentes provenientes de áreas afastadas (rural e urbana), pois muitos centros de baixo volume deixaram de realizar DPC's.

A mortalidade na população em geral melhorou apesar de se manter estável em todos os níveis de volume, o que se deve em parte à migração das populações dos centros de baixo volume para de maior volume. Mas isto poderá estar a trazer consequências negativas para as populações. A centralização está a provocar o aumento da distancia de deslocação e custo, aumento do tempo de espera e dificuldade no acesso ao tratamento, aumento do cansaço dos trabalhadores dos centros de maior volume, limitado acesso a tratamentos cirúrgicos de rotina nos grandes centros, quebra da continuidade de cuidados ao surgirem complicações de procedimentos complexos nos doentes de áreas rurais e urbanas. Será então este o caminho correcto?

A morbimortalidade tem diminuído em diversos procedimentos cirúrgicos não só pelo maior volume mas muito pelos melhores cuidados perioperatórios, melhor selecção de doentes, novos e melhores dispositivos cirúrgicos. Segundo O'Mahoney et al focar apenas no volume a decisão de classificar um hospital como capaz de tratar determinada patologia é simplista e perigoso. Os bons resultados dependem também de outros factores como: radiologia de diagnóstico e de intervenção; endoscopia de diagnóstico e tratamento; consultas multidisciplinares; boa anestesia; cuidados intensivos.

A melhor opção, ideia que partilho com O'Mahoney, será não a de amputar os centros de baixo volume de tratar determinadas patologias, mas sim decidir os recursos necessários para com segurança realizar determinado procedimento cirúrgico complexo, e equipar alguns centros de baixo volume e treinar os seus cirurgiões para que continuem a realizar essa intervenção com menor morbimortalidade. Isto permitirá manter todas as populações com rápido acesso a bons cuidados de saúde.

Sanhi et al (Department of Economics, Harvard University) abordam o tema num nível a meu ver ainda mais perigoso e complexo. Estes autores avaliaram a mortalidade operatória relacionada com o volume especifico e com o grau de especialização do cirurgião. Definiram a especialização como a percentagem de determinado procedimento realizado por determinado cirurgião: Especialização = Vol. especifico / Vol. total.

Neste estudo foi notório que a redução do risco de mortalidade foi maior devido à especialização e não ao volume especifico. O que significa que um cirurgião que faça 20 procedimentos específicos mas só faça esse procedimento (especialização de 100%), terá menor mortalidade que outro que faça 40 procedimentos específicos num universo de 100 (especialização de 40%). Segundo estes autores a relação volume-resultados é atribuída ao "aprender fazendo", mas tal deixa de ter retorno após um certo nível de "fazer". A tal estagnação de que atrás falo. Por outro lado no caso da substituição valvular cardíaca a especialização não deixa nunca de dar retorno positivo, ou seja, quanto maior a especialização menor será sempre a mortalidade. No entanto isto não se verificou em todos os procedimentos estudados, o que significará que também a especialização terá um cut-off, uma estagnação.

Sanhi et al apresentam algumas justificações (não estudadas) para tais resultados. Entre elas uma que acho interessante e incrível: "Focusing on a single procedure reduces the cognitive demands of switching tasks." Será assim tão complicado realizar uma colecistectomia e a seguir uma hernioplastia inguinal? Será difícil realizar uma hemicolectomia direita a seguir a uma metastasectomia hepática? E o que dizer dos conhecimentos e experiências que obtemos realizando determinada operação e que podem ser úteis ao realizar um outro procedimento? Não será esta capacidade que faz do Homem um ser superior e inteligente? Não me parece que um bom cirurgião geral tenha ou possa ter tal "dificuldade cognitiva".

Parece-me muito perigoso abordar o tema destas formas simplistas, focando apenas o volume e a especialização para determinar quem faz ou não determinado procedimento. Penso que tanto o volume como a especialização têm cut-off's que variam entre pares, daí que uns serão sempre melhores que outros. Não discuto que temos de fazer bastante para fazer muito bem e com bons resultados, o "fazer bastante" é que varia entre cirurgiões. O mais importante é avaliar os resultados, pois são esses que definem naturalmente o cirurgião de referencia e o centro de referencia.

Deixo estas ideias e considerações para que todos nelas pensem...

Links para os referidos artigos:

Dr. Carlos Eduardo Costa Almeida

Cirurgião Geral


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